Diante da necessidade da verificação da efetividade das ações relacionadas às Comunidades Quilombolas, analisando a existência de políticas públicas direcionadas aos Quilombos no Estado, bem como titulação e regularização fundiária; quantitativo de Comunidades e questões relacionadas ao saneamento, saúde, educação, assistência social e cultura quilombola, nos exercícios de 2022 e 2023, o Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI), por meio da Diretoria de Fiscalização de Políticas Públicas (DFPP), em sua Divisão da Assistência Social, realizou um amplo trabalho de fiscalização, que gerou um relatório de levantamento, registrado no Processo TC nº 009770/2023, de relatoria da conselheira Lilian Martins, e julgado na Sessão Plenária desta quinta-feira (23), tendo seus encaminhamentos aprovados em unanimidade.
Segundo o Censo Demográfico 2022 (IBGE), existem 1.327.802 pessoas quilombolas no Brasil. No Piauí, são 31.686 pessoas quilombolas, o que representa cerca de 0,97% da população. No entanto, desse total, apenas 8.411 pessoas residem, efetivamente, em territórios quilombolas, oficialmente delimitados. Ainda segundo o IBGE, há no Piauí 14 territórios quilombolas oficialmente delimitados:
O TCE identificou que há divergência quanto ao número de comunidades certificadas no Estado do Piauí, que totalizam o quantitativo de 89 comunidades. Com isso, verificou-se que muitas comunidades não concluem o processo de titulação, que consiste em adquirir o documento definitivo de posse da terra emitida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o que dificulta o processo de preservação da identidade das comunidades e respeito ao vínculo com a cultura e ancestralidade.
A equipe de auditores, coordenada pela auditora Ângela Vilarinho, chefe da Divisão de Fiscalização da Assistência Social, realizou, entre outras ações, consultas à legislação correspondente, reuniões com líderes das Comunidades Quilombolas, levantamento de informações acerca do quantitativo e distribuição das Comunidades no âmbito dos municípios piauienses, além de visitas às Comunidades, com entrevistas e envio de questionários para coleta de informações.
Constatou-se que as Comunidades Quilombolas estão presentes em quase todas as mesorregiões do Estado, estando concentradas, principalmente, na região sudeste, conforme mapa a seguir:
Entre outras informações obtidas, o TCE levantou que, entre os tipos de atividades econômicas exercidas nas comunidades, a base econômica está na agricultura familiar, mas também realizam atividades como pecuária, comércio, artesanato, apicultura e outros, como é possível observar a seguir:
O trabalho concluiu pela inexistência de políticas públicas específicas contextualizadas e voltadas para a população quilombola no Piauí, o que pode estar diretamente relacionado ao despreparo dos elaboradores das políticas públicas, que deixam de considerar as diversidades sociais, regionais e identitárias que compõem a população brasileira, levando a uma barreira ideológica entre a realidade dos grupos minoritários e a proposta idealizada nas políticas sociais.
O levantamento aponta, ainda, que não existe destinação direta de recursos estaduais e/ou municipais para as Comunidades Quilombolas, bem como aplicação adequada de recursos na promoção de melhorias nos serviços nas principais funções de governo vigentes, privando essas comunidades de políticas públicas básicas, a exemplo da saúde: apenas 28 comunidades dispõem de um posto de saúde.
Na educação, por exemplo, diversas escolas estão com infraestrutura inadequada e problemas relacionados à alimentação escolar. “Isso levantou uma preocupação sobre a qualidade da educação fornecida nas comunidades, o que pode gerar futuras fiscalizações”, frisou a auditora Ângela Vilarinho.
Em setembro deste ano, nos dias 04 e 05, a conselheira Lilian Martins, relatora do processo de levantamento em questão, visitou algumas dessas comunidades, validando o trabalho da equipe de auditores. Foram visitadas comunidades nos municípios de São Raimundo Nonato, Fartura e São Lourenço, no Sul do Piauí. Foram visitados os seguintes Núcleos Quilombolas: Núcleo Angical, em Fartura do Piauí; Núcleo Xique-Xique, em São Lourenço do Piauí; e Núcleo Lagoa das Emas, em São Raimundo Nonato.
“Tive a oportunidade de conferir, in loco, esse trabalho realizado por nossos técnicos do Tribunal, visitando com eles algumas dessas comunidades. Foi uma visita extremamente rica, em todos os sentidos. Fiquei impressionada com a atuação da nossa equipe, indo até locais, até então, desconhecidos, fazendo um levantamento minucioso. E o resultado disso tudo é de suma importância: a constatação da inexistência de políticas públicas específicas a essas comunidades”, pontuou a conselheira Lilian Martins, durante a exposição do trabalho na Sessão desta quinta-feira (23).
Entre os encaminhamentos propostos pelo levantamento, o envio do relatório completo à Secretaria de Estado da Assistência Social, à Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas, à Secretaria de Estado das Relações Sociais, à Superintendência de Promoção de Igualdade Racial e Povos Originários, à Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, ao Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social do Estado do Piauí, às Promotorias do Ministério Público do Estado do Piauí, cujas temáticas abrangem matérias relacionadas às questões abordadas no relatório, e à Defensoria Pública do Estado, para tomarem ciência das informações levantadas. Também será sugerido pelo Tribunal a criação de um órgão ou gabinete interinstitucional dedicado às Comunidades Quilombolas no estado do Piauí.
Para ter acesso ao trabalho, na íntegra, clique aqui.